segunda-feira, 27 de maio de 2013

(Rosie Hardy)


Porque não te foste como prometeste?
Porque é que ficaste em todos os rostos, em todos os corpos, em todas as sombras?
Porque é que me obrigas a esperar-te os passos e a lembrar-te em passos que nunca são teus?
Porque é que me forças a olhar para portas se ficaste numa, a que se fechou?
Porque é que ficaste colado às paredes do quarto, espalhado no chão e tão dentro de mim?
Tão dentro que… Se fecho os olhos…
É já o teu corpo que cobre o meu corpo
E sinto o teu cheiro e o meu arrepio
E o meu peito ergue-se indo ao teu encontro
E no peito sinto, quente, a tua mão
E se mordo os lábios é porque me tomaste
Porque me abriste as pernas e eu abri o corpo
E em mim entraste como se já não estivesses
E se mexo as ancas e se balanceio o corpo
Não sei se é uma dança, não sei se é prazer, nem sei se é desejo,
Só sei que ficaste entre os meus poros, dentro dos meus olhos e tão dentro de mim
E se o meu peito arqueja e se gemo aflita,
Não sei se é desejar-te, nem sei se é amar-te
Porque te amo em mim
Porque não te foste como me disseste?
Porque é que ficaste na cama deitado comigo
Vestindo o meu corpo como um pijama que se abre e dispo para te ter a ti?
Porque não te foste?
Porque permaneces?
Porque estás tão dentro e fora de mim?
Porque te vejo agora de pé ao meu lado?
E são as tuas mãos que me empurram o corpo, que me dobram o corpo e o acariciam e o sentem dentro
E tu na janela abraçado a mim, e tu na estrada no homem que passa
E aqui comigo… Sinto o teu calor…
E é o teu respirar que embacia a vidraça
E é o teu olhar que encontra o meu,
Enquanto te moves, enquanto me movo
E tu ali na estrada… E tu aqui tão dentro...
Porque não te foste? Porque é que ficaste?
Que parte de ti em mim deixaste, que tanto te falta?
Que parte de mim não partiu contigo?
E tu, ali, parado, sombra no escuro, corpo silhueta que não é o teu
Porque é que te vejo em todas as sombras?
Porque não sais dos meus olhos e de dentro de mim?
Porque é que te tornaste ar à minha volta?
Ar que eu respiro sorvendo-te a ti
Porque não te foste?
Porque é que ficaste em todas as sombras, em todos os rostos, em todas as mãos?
Se tiraste a tua e te foste embora, se senti da minha a tua mão partir,
Que calor é este que me aquece os dedos, senão os teus dedos trocados nos meus?
Porque não te foste como prometeste?
Porque te instalaste tão dentro de mim, que se movo as coxas te moves comigo?
E não, não é desejo
Não, não é amar-te
Já que estás tão dentro, é amar-me a mim
É amar o meu corpo sentindo os teus dedos, sentindo o teu corpo…
Ai... Porque não te foste?
Porque te tornaste sombra da minha sombra, corpo do meu corpo, ar que eu respiro, luz no meu olhar?
Porque me colaste os passos aos passos que deste?
Agora percorro as ruas e só te vejo a ti,
Em todos os cantos, em todas as todas as formas, em todos os outros
Nem sei se te procuro
Ou se me procuro em ti
Porque não te foste como prometeste?
Porque é que ficaste tão dentro de mim?



"Porque não te foste?" in Encandescente

Um comentário:

MJB disse...

Perguntas que sabemos não terem resposta. Ultrapassam o tempo, escapam a lugares, seguem-nos, perseguem-nos. Porquê perguntar se a resposta está no sentir, no nosso sentir e até a nós nos ultrapassa?