domingo, 13 de julho de 2008

(retirada da net)
.
.
“Tomar um banho quente num dia de Inverno, comer uma pêra sumarenta e doce, sentir o mar fresco inundar a nossa alma, ver a beleza de um sorriso, fugir com o cheiro depois das primeiras chuvas de Outono, beijar um quente estrondoso, sentir o ecoar de uma palavra carinhosa, definir as cores que iluminam o arco-íris...
Todas estas sensações são potencialidades que nos são dadas ao nascer e ao viver, e são nos dadas de uma forma imerecida, pois nada o fazemos para as ganhar, talvez por isso damos tão pouco valor, ou importância, para a nossa vida. Perdemos, constantemente, algo em nós, e algo fora de nós, e choramos por isso e somos infelizes, mas somos incapazes de nos apoiar nas dádivas que estão a cada passo da nossa percepção.
Ver, ouvir, cheirar, tactear, degustar, e outras actividades que a nossa alma nos faculta, são, na maioria dos casos, banalizadas, postas à janela sem guarda, sem sequer pensarmos que a sua falta poderá acontecer tão naturalmente como a sua presença.

Diz Caeiro:
“Para que é que preciso de um piano?
O melhor é ter ouvidos
E amar a Natureza.”
(Guardador de Rebanhos)

Estes versos simplificam o que quero demonstrar, uma sensação será sempre melhor do que algo material!? Sim, mas também perdemos sensações, ou perdemos pontos de referência dessas sensações, como sentimentos, ou quem desperta tais sentimentos, ou até objectos que despertam sensações e sentimentos, mas não perdemos o “aparelho”, não perdemos a nossa alma, nem os nossos sentidos, teremos sempre a possibilidade de sermos inundados por mil e uma sensações e sentimentos, e os pontos de referência estão sempre presentes (ou não?!), na realidade, que a nossa percepção conceptual poderá torná-los como dados. Um cego poderá ter incomparáveis riquezas, ser amado por alguém, viver uma vida feliz mas pergunto, (e não afirmo!) se pudesse trocar tudo isso para poder ver, qual seria a sua escolha? Na minha óptica, que vejo, ele escolheria a visão, infundada a minha resposta pois nunca fui privado de ver!
Em relação à perda de um sentido, por exemplo, a visão, a resposta a uma pergunta do tipo “Preferes ver ou não?”, é tão linear como desperdício da formulação da própria pergunta.
Sentir é uma faculdade tão preciosa como respirar, e tudo o que se perde, material, ou de outra espécie, é, em certa medida, recuperável, pois não perdemos a capacidade que faz com que essas coisas sejam “nossas”. Perder a capacidade de sentir, ou limitar de alguma forma essa capacidade, é então uma perda, uma infelicidade, uma incapacidade de totalmente preenchermos a nossa vida e de totalmente explorarmos o que é a condição humana. Não chorem por um amor perdido, chorem pela incapacidade de poderem amar!

Voltei para aqui, nem sei se aqui é aqui mesmo, a escuridão é me familiar e sinto uma estranha sensação de reconhecimento, no escuro...
Só o escuro vejo, sei que o vejo, não estou cego porque ao longe vislumbro uma cor, um sismo de luz, mas longe, muito longe, de resto, ao meu lado tudo está escuro! Não distingo limites, para além da luz ao longe, tenho noção de tempo e do espaço porque sei que não estou apoiado, nem seguro por nada, não existem oposições físicas ao meu ser em direcção alguma, estou com que a flutuar?!
O que sou? Não sou capaz de definir, também não tenho limites, pelo menos não os sinto, mas existo, também vejo e penso, e também capto outras coisas para além de mim, a coisa mais indefinível que conheço (ou não!) sou eu próprio enquanto tenho esta capacidade para existir...
Muitas vezes, vêm-me à memória, (sei que tenho passado e vou para um futuro), imagens de outras coisas que, não sendo totalmente desconhecidas, me são estranhas e tenho grande dificuldade em defini-las. O que sinto é como se estivesse noutros locais diferentes deste, têm luz e contornos e outros seres diferentes de mim em aspecto, no entanto, partilho os seus desejos e anseios, o seu flamejar espiritual, o seu desassossego existencial e vivo intensamente as suas experiências. Sinto o que eles sentem, envolvo-me naquilo a que eles chamam de suas vidas, é enebriante!
Tento, muitas vezes, alterar o que decorre, interiormente, com o meu espírito, mas é me impossível, sinto que só observo e não tenho o poder de intervir, e tudo isto me faz pensar e perguntar sobre a que se deve a minha existência.
Depois destas memórias volto ao escuro, acordo no escuro, e a luz lá ao longe, e a solidão tão perto, porquê? Porque tenho esta existência desprovida de sentido? E porquê as memórias? Qual o sentido e o significado? E a luz, a única companhia?”


Nota Introdutória – “Ser enquanto tal” Emanuel C. Vitorino

Nenhum comentário: